Apesar de tanta tecnologia, quase 50% dos embriões não se implantam ou evoluem para aborto precoce.
A implantação do embrião ao útero é um processo multifatorial complexo, por isso, muitos estudos sobre esquemas de estimulação ovariana, seleção dos embriões e avaliação endometrial foram desenvolvidos nos últimos anos para aumentar as taxas de sucesso da reprodução assistida.
A principal causa de falha de implantação e perda precoce são alterações cromossômicas no embrião, uma vez que ocorra a seleção dos embriões euplóides (cromossomicamente normais), as taxas de sucesso chegam a 70%. Entretanto, por ser um processo complexo, mesmo embriões euplóides podem não implantar. Do ponto de vista imunológico, a gestação somente é possível porque uma intrincada rede imunorregulatória é disparada com o objetivo único de desenvolver um estado de tolerância materno-fetal e permitir a implantação, o desenvolvimento fetal e a formação da placenta.
Neste contexto, as células NK uterinas não citotóxicas são essenciais para a implantação, estudos mostram que elas liberam citocinas que regulam a invasão do trofoblasto (células embrionárias) no endométrio, auxiliam nas alterações vasculares importantes para formação da placenta, além de estimular a via imune Th2 (anti-inflamatória), essencial para a implantação. Sem a ação das células NK uterinas, o processo de implantação e placentação ocorreriam de forma deficiente causando diferentes problemas de acordo com a severidade, causando situações desde restrição do crescimento fetal até aborto precoce. Outra função essencial das células NK para a gestação, é sua interação com as partículas da superfície das células trofoblásticas chamadas HLA e receptores das células NK chamados KIR (killer immunoglobulin-like receptor).
HLA são partículas presentes na superfície das células e que são reconhecidas pelo sistema imune. Quando dizemos que pessoas são compatíveis para transplante significa que apresentam HLA similar, assim, seu sistema imune reconhece a célula do doador como se fosse do seu corpo e não como uma célula estranha que deve ser eliminada (rejeição). Existem vários tipos de HLA, mas o embrião apresenta principalmente HLA-C, que interage com receptores KIR das células NK determinando a ação destas células. Existem 2 tipos de HLA-C: C1 e C2, herdados da mãe e do pai, podendo ser: C1C1, C1C2 ou C2C2.
Tanto o C1 quanto o C2 agem sobre os receptores KIR, mas o C2 tem uma afinidade e ação mais importantes.
Receptores da célula NK: KIR
As células NK tem receptores de superfície chamados KIR que interagem com HLA-C do trofoblasto.
Este receptor é determinado por muitos genes que apresentam diferentes polimorfismos, alguns genes são inibitórios e outros estimulatórios.
A combinação de diferentes genes que são herdados juntos como um grupo é chamado de haplótipo. Apesar de diferentes padrões gênicos, os receptores KIR podem ser agrupados em 2 haplótipos: A (inibitório) ou B (estimulatórios).
Por exemplo, como herda-se um haplótipo materno e um paterno, cada pessoa pode ter as seguintes combinações: AA, AB ou BB. Quando a mulher tem o genótipo do KIR AA, só há genes inibitórios, assim, se este receptor for ativado pelo HLA-C do embrião vai, na verdade, bloquear a ação da célula NK, impossibilitando a implantação embrionária.
Alguns estudos estabeleceram quando e em quais combinações o KIR AA inibitório pode ser prejudicial para a gestação. Então, postulou-se que mulheres com KIR AA têm risco aumentado para problemas obstétricos quando o embrião tem mais HLA C2 do que a mãe, ou seja, quando a mãe é C1C1 e o embrião C1C2 ou C2C2; ou quando a mãe é C1C2, com embrião C2C2.
Muitos estudos ainda precisam ser feitos, mas até o momento podemos inferir com os estudos já divulgados concluem que mulheres KIR AA tem maior risco quando marido tem HLA-C2 ou quando se faz necessário o uso de óvulos doados, com doadoras C2. E, nestes casos, transferir mais de um embrião aumenta ainda mais o risco.
Portanto, uma avaliação combinada (HLA-C paterno e KIR materno) pode inferir o risco para a gestação da seguinte forma:
HLA-C PATERNO | KIR MATERNO | RISCO | |
C1C1 | AA/AB/BB | Risco reduzido | |
C2C2/ C1C2 | AB ou BB | ||
C2C2/C2C1 | AA/AB/BB | Risco aumentado |
Para os casos com doadora de óvulos
HLA-C PATERNO | KIR (MULHER) | HLA-C (DOADORA) | RISCO |
C1C1 | AB | C1C1 | |
C1C2 | BB | C1C2 | |
C2C2 REDUZIDO | C2C2 | REDUZIDO | |
C1C1 | AA | C1C1 | |
C1C1/C1C2 /C2C2 | AA | C1C2/C2C2 | AUMENTADO |
Figura 1 e 2, Representação do processo envolvendo o HLAC paterno e o KIR materno e sua influência na reprodução. Adaptado de Nakimuli A. et al., 2013.
Este exame é uma nova ferramenta para auxiliar o especialista em reprodução humana assistida definir sua conduta e estratégia terapêutica em relação aos procedimentos de fertilização in vitro, olhando de forma profunda caso-a-caso para resultados mais assertivos.
Nos ciclos de fertilização in vitro (FIV) – transferência
É usual a transferência de 2 ou até 4 embriões, dependendo da idade da paciente. Assim, há, simultaneamente, a presença de mais de um HLA-C paterno (um por embrião).
Segundo estudos de Hiby S.E. et al, em mulheres KIR AA, a transferência de mais de um embrião aumentaria o risco da presença de mais HLA-C2 paternos do que maternos, aumentando o risco de complicações obstétricas, sendo, neste caso, melhor transferir somente um embrião.
Nos ciclos de fertilização in vitro (FIV) – ovodoação
Nestes casos, muitas vezes se utilizam óvulos de doadora, por exemplo quando a mulher tem idade avançada, falência ovariana precoce ou alguma doença genética que pode ser transmitida à prole pelo óvulo.
Neste caso, o HLA-C herdado do óvulo é também estranho ao sistema imune materno, se comportando como HLA-C paterno.
Assim, há chance duplicada do embrião ter algum HLA-C2 (paterno ou da doadora).
Se a receptora for KIR AA, a chance de complicação aumentará.
No caso de se transferir dois embriões, este risco é muito maior, pois estamos lidando com 4 HLA-C estranhos à receptora, ou seja, maior chance de ter mais HLA-C2 “não próprios” da paciente (efeito negativo) do que “próprios” dela (efeito positivo).
Nos ciclos de fertilização in vitro (FIV) com sêmen de doador (banco) onde há casos de repetidas falhas de tratamentos é, recomendável que a futura mãe faça a pesquisa dos receptores KIR.
Caso ela seja KIR AA, a recomendação é que o doador seja HLC-A C1C1.
O problema é que os bancos de sêmen, até o momento, não incluem este exame na pesquisa dos doadores. Neste caso, pode-se optar por transferir somente um embrião, independente do HLA-C do doador de sêmen.
Portanto, considerando os dados dos estudos até então realizados, recomenda-se que em pacientes com falhas de implantação e abortos seja pesquisado o polimorfismo do KIR.
Para saber mais, consulte o seu médico.
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Bibliografia
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- Nakimuli A. et all, 2013, Killer cell immunoglobulin-like receptor (KIR) genes and their HLA-C ligands in a Ugandan population, Immunogenetics (2013) 65:765–775 DOI 10.1007/s00251-013-0724-7.
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